Mulheres indígenas xerentes : narrativas culturais e construção dialógica da identidade

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DATA DE PUBLICAÇÃO

2007

RESUMO

Grande parte dos estudos hoje disponíveis, que abordam a relação entre gênero, identidade e cultura, refere-se às sociedades urbanizadas. Grupamentos que se caracterizam por outro de tipo de organização e contexto de vida, como os indígenas, permanecem praticamente fora do escopo das investigações, especialmente na Psicologia. Sendo o presente estudo apoiado na abordagem dialógica dos fenômenos psicológicos, concebe-se o desenvolvimento do self e da identidade como fenômeno relacional que apresenta uma face intrapessoal e outra interpessoal, entendendo que essas faces concorrem para a construção de um senso de si coerente, ao longo do tempo. Este trabalho busca contribuir para reverter o cenário acima delineado, investigando como mulheres da comunidade indígena xerente, situada ao norte de Tocantins, posicionam-se sobre a construção de sua identidade e condição feminina, em narrativas sobre suas histórias pessoais e acerca das transformações da cultura de seu povo. Os xerentes passaram a ter contato com elementos da cultura "branca", trazidos especialmente por missões evangelizadoras, há cerca de 200 anos. Hoje, os sistemas semióticos em que se inserem as atividades e valores sociais do grupo aglutinam elementos das duas esferas culturais, caracterizando a cultura xerente como cultura híbrida, em transformação. Participaram da pesquisa, de modo particular, seis mulheres dessa comunidade, com idades de 34 a 48 anos. Foram realizadas observações em contexto e entrevistas narrativas episódicas, que exploraram temas relativos à história cultural (mitos e ritos), ao casamento, ao trabalho, à educação, ao consumo e às perspectivas futuras do grupo a partir das vozes das mulheres. As narrativas das mulheres e os registros de observação foram analisados a partir das "zonas de sentido" identificadas e das vozes que emergiram do diálogo entre pesquisadora e participantes de pesquisa. Os resultados apontam que o processo de construção das identidades e posicionamentos de self das mulheres xerentes assume contornos particulares, no limiar entre as marcas culturais a que estão expostas. De um lado, fatores como a maior escolarização e a assunção de novos papéis políticos, no trabalho, na economia familiar e na relação com o consumo abrem novas zonas de possibilidades para a condição feminina, ao mesmo tempo em que a condição masculina se fragiliza, quando problemas como o desemprego e o alcoolismo passam a afetar os homens do grupo. Essas novas possibilidades, por outro lado, convivem com a reafirmação de posições de gênero bastante tradicionais no discurso das mulheres, no qual os papéis masculinos mais tradicionais são reafirmados, na mesma proporção em que a crescente importância das mulheres na organização social e política presente do grupo tende a ser minorada. Identificam-se potencialidades e desdobramentos futuros deste trabalho, que fornecem uma contribuição à compreensão mais acurada da relação entre aspectos sociais e subjetivos da identidade, das questões de gênero e dos posicionamentos de self em culturas não-hegemônicas; para a maior aproximação entre a psicologia e o contexto sociocultural indígena brasileiro; e a ampliação da compreensão acerca das questões de gênero fora dos centros urbanos.

ASSUNTO(S)

Índios - identidade (psicologia) identity indigenous women dialogical self gender hybrid cultures Índios - tocantins psicologia mulheres Índios - vida e costumes sociais

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