Da sala de aula à sala de atendimento : a produção do usuário do Programa de Saúde Escolar do Município de Porto Alegre

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DATA DE PUBLICAÇÃO

2008

RESUMO

As políticas sociais de educação e saúde constituem campos de ação e conhecimento de relevância pública e estratégica, tendo em vista seus reflexos na qualidade de vida da população brasileira. Como direitos sociais, expressam disputas políticas e são instâncias de intervenção direta do poder público estatal e da sociedade, no entrecruzamento das necessidades sociais, demandadas pela população, e suas formas de atendimento e custeio, geridas pelo Estado. A escola e os programas de saúde são instrumentos de execução direta destas políticas, tendo como principal função torná-las acessíveis à população, por meio de seus serviços. Na tese estudam-se as relações interinstitucionais estabelecidas entre o Programa de Saúde escolar e as escolas do município de Porto Alegre nas configurações de suas demandas por atendimento e em seus fluxos de encaminhamento. Procurou-se conhecer os critérios e suas respectivas racionalidades ideopolíticas pelas quais as escolas definem as situações de vulnerabilidade escolar e encaminham seus alunos para o atendimento junto à rede, neste estudo, representada pelos Núcleos de Atenção à saúde da criança e do adolescente, Nascas. Utilizou-se a triangulação de fontes para a produção de dados (pesquisa documental, entrevistas coletivas e configuração de perfis) e, como estratégia analítica, o cruzamento de dados qualitativos e quantitativos por meio da análise de conteúdo e de indicadores de desempenho escolar. O estudo abrangeu os oito Nascas distritais de Porto Alegre, por meio de entrevistas coletivas com seus técnicos. A análise de conteúdo dos encaminhamentos das escolas, bem como a elaboração dos perfis escolares, foi realizada em um Núcleo selecionado como recorte amostral. As múltiplas metamorfoses pelas quais a saúde e a educação vêm marcando e demarcando seus espaços e contribuições, no cenário das políticas públicas no Estado e no município, encontram nos instrumentos e fluxos de encaminhamento uma das expressões do modo tradicional de conceber e operar com as práticas em saúde na ótica da medicalização do social, neste contexto, o do fracasso escolar. As situações de vulnerabilidade escolar (dificuldades de aprendizagem e repetência) são traduzidas pelas escolas como produto das condições físicas, psicológicas ou sociais dos alunos e, por isso, motivadoras dos encaminhamentos para atendimento clínico. Esse traço cultural é analisado à luz da constituição da esfera pública brasileira, da institucionalização das políticas de educação e saúde, constituindo-se na particularidade estudada, pelas suas múltiplas expressões, na reatualização de concepções do paradigma higienista que predominou nas relações entre Estado e sociedade civil, na emergência da questão social. Entretanto, na atualidade, as manifestações desse clássico fenômeno são diferentes e complexas e se processam pelo deslocamento do controle social exercido pelo Estado sobre os costumes e comportamento e moral da população, pela via da saúde, para o controle do consumo de drogas, serviços e artefatos visando à “saúde longa e perfeita”, exercida pelo mercado. Na contemporaneidade, a medicalização da vida social é um fenômeno que invade os espaços públicos e privados, mediada por novas inflexões da indústria do consumismo, que captura para a lógica do mercado as necessidades de saúde da sociedade. Neste contexto, o fracasso escolar é um campo potencial de investimentos à medida que é concebido como uma patologia, passível de ser tratada e curada por meio de intervenções terapêuticas e medicamentosas. Conclui-se que as condições de vulnerabilidade escolar atuais, apesar de suas especificidades, espelham a “condição” de vulnerabilidade social a que a população brasileira está exposta, considerando tais configurações do sistema do capital e de sua globalização, o que demanda um amplo debate societário acerca de seus efeitos para o conjunto da população brasileira, no qual trabalhadores da saúde e da educação têm muito a contribuir.

ASSUNTO(S)

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