Validação da escala para avaliação da contratransferência (EACT) no atendimento psiquiátrico inicial de vítimas de trauma psíquico

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DATA DE PUBLICAÇÃO

2011

RESUMO

Introdução: O conceito de contratransferência evoluiu de “um obstáculo ao tratamento” à ferramenta útil à compreensão do paciente dentro de uma relação bi-pessoal. Atualmente, buscam-se evidências da sua especificidade, correlacionando padrões específicos de contratransferência com características do paciente e terapeuta, classes diagnósticas e desfechos do tratamento. Acredita-se que, devido à intensidade das reações emocionais despertadas nos terapeutas que atendem vítimas de trauma, o estudo da contratransferência nesta população auxilie no autoconhecimento dos terapeutas, amplie a compreensão sobre o fenômeno e contribua para um melhor atendimento dos pacientes. O desenvolvimento de pesquisas nesta área esbarra no reduzido número de escalas validadas para acessar a contratransferência. No Brasil, estão disponíveis a escala para Avaliação da Contratransferência e as versões traduzidas do Inventory of Countertransference Behavior e Mental States Rating System, mas nenhuma validada.A Escala para a Avaliação da Contratransferência (EACT) foi criada em nosso meio, com elevada validade de face, construída em torno de três dimensões conceituais de sentimentos. Entretanto, suas propriedades psicométricas ainda não foram avaliadas. Objetivos: Investigara validade de construto da EACT, respondida por terapeutas de vítimas de trauma psíquico (Artigo 1). Secundariamente, analisar a correlação entre a contratransferência inicial com vítimas de trauma psíquico e os dados demográficos e clínicos de terapeutas e pacientes e o tipo de trauma, e investigar a associação entre a contratransferência inicial e a adesão dos pacientes ao tratamento e o seu desfecho, operacionalizado como alta ou abandono (Artigo 2). Método: Delineamento transversal (Artigo 1) e análises secundárias com dados longitudinais (Artigo 2). A amostra foi composta por 50 psiquiatras no segundo ano de formação durante estágio no Núcleo de Estudos e Tratamento de Trauma Psíquico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Brasil. Esses terapeutas atenderam 131 pacientes recrutados consecutivamente durante 4 anos, que incluiu a primeira ou segunda consulta de vítimas de abuso sexual, seqüestro, assalto, agressão física, tentativa de homicídio, tortura e trauma indireto, independentemente do tempo decorrido entre a consulta atual e o evento traumático. Foram excluídos atendimentos de pacientes que chegaram à primeira consulta com ideação suicida grave, sintomas psicóticos e/ou com indicação de internação psiquiátrica. Os pacientes foram selecionados após triagem, que avaliou as variáveis clínicas e o diagnóstico segundo os critérios do DSM-IV-TR. Na primeira consulta, foram coletados os dados demográficos e clínicos e avaliada a contratransferência identificada pelo terapeuta através da EACT. Os pacientes foram acompanhados ao longo do tratamento psiquiátrico para determinar o número de consultas, faltas e o desfecho: alta ou abandono. A EACT é uma escala auto-aplicável, composta por 23 itens pontuados para 3 momentos da sessão (início, durante e final) em escala tipo Likert (0=ausência a 3=muito), e distribuídos em 3 domínios: aproximação (10 itens), afastamento (10 itens) e indiferença (3 itens). A validade de constructo da EACT no atendimento desta população foi avaliada através da análise fatorial exploratória (EFA) e consistência interna (α de Cronbach). O tamanho amostral foi calculado a partir de pelo menos 5 aplicações da EACT para cada item da escala (mínimo N = 115). E a análise fatorial confirmatória foi usada para determinar os parâmetros de adequação (goodness-of-fit) da versão da EACT no atendimento de vítimas de trauma obtida na EFA em comparação com a versão original. Resultados: A EFA mostrou 3 fatores com homogeneidade consistente, sendo distinta da versão original da EACT a correlação entre os itens e o terceiro fator: afastamento (9 itens com 24% da variância; α = 0,88), aproximação (7 itens com 15% da variância; α=0,82) e tristeza (6 itens com 9% da variância; α = 0,72). O item alegria, com carga fatorial baixa, foi retirado da análise por ser considerado irrelevante neste contexto. A análise fatorial confirmatória evidenciou melhores critérios de goodness-of-fit em todos os parâmetros testados para a presente versão da EACT do que a original. Secundariamente, as características demográficas e clínicas dos terapeutas e dos pacientes dos grupos alta e abandono foram similares. Os terapeutas com idade ≤ 27 anos pontuaram maior afastamento que os mais velhos (0,14 ± 1 vs. -0,21 ± 0,9; P=0,019). Os pacientes casados induziram nos terapeutas mais sentimentos de afastamento (0,20 ±1 vs. -0,19 ± 0,9; P = 0,016) e tristeza (0,18 ±1 vs. -0,17 ± 1; P = 0,049) que os que vivem sozinhos. Nas variáveis clínicas, as vítimas de trauma indireto e de múltiplos traumas despertaram mais tristeza (0,38 ± 1 e 0,76 ± 0,4, respectivamente), comparadas às vítimas de violência sexual (0,03 ± 0,9) e urbana (-0,3 ± 1) (P = 0,039). A mediana de consultas realizadas foi 5 [4; 8], faltas 1 [0; 1] e a taxa de abandono foi de 34,4%. Na análise multivariada, identificou-se que os pacientes com relato de história de trauma na infância abandonaram menos o tratamento (OR = 0,39; P = 0,039; CI 95% 0,16- 0,95). Não foi detectada associação entre sentimentos contratransferenciais iniciais com os desfechos do tratamento. Conclusões: A EACT apresentou propriedades psicométricas consistentes, demonstrando ser um instrumento confiável para acessara contratransferência inicial de terapeutas de vítimas de trauma psíquico. Os sentimentos contratransferenciais no atendimento inicial destes pacientes associaram-se a parâmetros demográficos e clínicos, mas não se associaram ao abandono do tratamento. Estudos futuros devem avaliar a modificação dos sentimentos contratransferenciais ao longo do tratamento e o seu impacto sobre os desfechos do tratamento.

ASSUNTO(S)

countertransference contratransferência (psicologia) psicoterapia trauma victims sexual abuse estudos de validação construct validity transtornos de estresse pós-traumáticos psicometria assessment countertransference scale (acs) psychotherapy

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