Avaliação da contratransferência no atendimento inicial de pacientes vítimas de trauma psíquico

AUTOR(ES)
DATA DE PUBLICAÇÃO

2008

RESUMO

O conceito de contratransferência foi introduzido por Freud e ampliado por outros autores, sendo compreendido como as reações emocionais despertadas pelo paciente no terapeuta. Tem papel central na teoria e na técnica psicanalíticas atuais por ser uma importante ferramenta para o entendimento do mundo interno e das comunicações do paciente, com influência no desenvolvimento da relação terapêutica e no desfecho do tratamento. A partir do reconhecimento da importância da mente do terapeuta e do campo terapêutico, tem sido discutida a associação entre características da pessoa real do terapeuta e a forma como é estabelecida a relação com o paciente. Do mesmo modo, características específicas dos pacientes, como ter sido vítima de trauma psíquico, são consideradas potenciais desencadeadoras de padrões contratransferenciais similares. A relevância do estudo dos sentimentos contratransferenciais despertados no atendimento de vítimas de trauma psíquico se justifica pela grande intensidade destes e pelo potencial destas reações emocionais se tornarem barreiras para o sucesso do tratamento quando não compreendidas pelo terapeuta.Avaliar o padrão de expressão da contratransferência dos terapeutas durante o atendimento inicial de pacientes mulheres vítimas de trauma psíquico e a sua associação com características dos terapeutas e das pacientes, tais como o momento da consulta, o gênero do terapeuta, a natureza do trauma (violência sexual ou violência urbana) e o momento da violência sexual na vida das pacientes. Também foi investigada a associação entre o padrão contratransferencial e a presença de sintomas de Transtorno de Estresse Pós-Traumático e de sintomas depressivos atuais nas pacientes, escores em rastreamento para transtornos de personalidade e em escala de percepção da gravidade da doença nas pacientes e estilo defensivo utilizado pelas mesmas. Os estudos foram realizados no Núcleo de Estudos e Tratamento do Trauma Psíquico (NETTRAUMA), do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Brasil. Os terapeutas eram médicos residentes do segundo ano de Psiquiatria do HCPA. No primeiro estudo, foi conduzidauma avaliação qualitativa, a análise de conteúdo, associada a uma análise estatística, de 36 relatos de sentimentos contratransferenciais despertados no primeiro atendimento de pacientes mulheres, sendo13 vítimas de violência sexual na infância, 15 vítimas de violência sexual atual, e 8 vítimas de violência urbana. Os relatos foram classificados em 6 grupos, conforme o gênero do terapeuta e a natureza do trauma. O segundo estudo teve a participação de 26 terapeutas, 11 homens e 15 mulheres. Foram incluídas nesta amostra todas as pacientes mulheres vítimas de violência sexual, tanto na infância quanto na idade adulta, atendidas no NET-TRAUMA durante dois anos consecutivos, totalizando 40 pacientes. Após a primeira consulta com a paciente, era solicitado ao terapeuta que preenchesse a Escala para Avaliação da Contratransferência (EACT). Neste mesmo momento, era solicitado à paciente que preenchesse os instrumentos referentes aos fatores em estudo: a Escala Davidson de Trauma (EDT), a Standardized Assessment of Personality - Abbreviated Scale (SAPAS), o Inventário de Depressão de Beck (BDI), e a versão em português do Defense Style Questionaire (DSQ-40). A Escala de Impressão Clínica Global (CGI) era preenchida após a consulta de triagem. Na análise dos relatos redigidos pelos terapeutas, observou-se predomínio de sentimentos de aproximação nos terapeutas de ambos os gêneros no atendimento de vítimas de violência sexual. Entre terapeutas mulheres, a natureza do trauma (sexual ou urbano) não influenciou os padrões contratransferenciais. Entre os terapeutas homens, a natureza do trauma influenciou de forma significativa a contratransferência, havendo um número elevado de sentimentos de distanciamento nos relatos de atendimentos de vítimas de violência urbana em relação àqueles atendimentos a vítimas de violência sexual na infância (p=0,02). No segundo estudo, os terapeutas apresentaram, da mesma forma, mais sentimentos de proximidade em relação às pacientes, que foram maiores no meio e no final das consultas (p<0,001), sem influência do gênero do terapeuta. Em uma sub-amostra estratificada para pacientes atendidas por terapeutas mulheres, identificou-se associação significativa entre maiores escores obtidos pelas pacientes na SAPAS e menos sentimentos de proximidade das terapeutas (p=0,038).Estes estudos evidenciaram um predomínio de respostas contratransferenciais de proximidade em terapeutas jovens, no início da vida profissional, ao longo das primeiras consultas compacientes mulheres vítimas de violência sexual. Destaca-se a importância da utilização da contratransferência para a melhor compreensão dos pacientes, o que pode trazer benefícios ao tratamento e ao prognóstico destes, ressaltando-se a necessidade de que investigações continuadas sobre o tema sigam sendo desenvolvidas.

ASSUNTO(S)

countertransference contratransferência (psicologia) psychological trauma psicoterapia sexual violence transtornos de estresse traumático urban violence violência sexual psychotherapy estresse psicológico

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