Travessia do corporal para o simbólico corporal

AUTOR(ES)
FONTE

IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia

DATA DE PUBLICAÇÃO

25/11/2011

RESUMO

Esta pesquisa partiu de um questionamento clínico. A psicanálise consegue trabalhar em terapia pacientes borderline, cuja linguagem verbal precária e dificuldade de relacionamento clama por outro tipo de interpretação que não só o verbal? A minha hipótese era que o contato com esses pacientes deveria ser estabelecido no ponto exato de sua regressão não importando quão arcaica esta pudesse ser. As palavras de nada serviam para chegar ao paciente a não ser fazer barulho. Para adotar um termo cunhado por Nelson Coelho Junior (2010), o de corporeidade, começo a prestar atenção que muitas vezes minha corporeidade, não a psíquica, mas a física, tem reações às corporeidades de minhas pacientes. Esse termo é importante, pois nos oferece uma alternativa para a clássica separação corpo-mente, seria designar um campo específico de experiências, sensoriais, afetivas e significantes mesmo que protosimbólicas (2010, p. 53). As dimensões da corporeidade delas e a minha reagem em níveis diferentes da própria corporeidade. No início, as respostas psíquicas das meninas podiam ser vistas em atos, comportamentos, posturas, feições, sendo necessário aprender a lê-las. Como também minha corporeidade pode por mim ser sentida, vista e compreendida silenciosamente. Em momentos de muita tensão, quando minha respiração estancava, era o momento de uma nova conquista ter lugar na paciente. Como se, apenas, quando eu voltasse a respirar algo podia nascer dentro dela. Esta comunicação silenciosa feita na base da anatomia e fisiologia de corpos vivos e que inclui as evidências cruas da vida, como os movimentos de respiração, os batimentos cardíacos, o suor e o calor da pele, oferecia-se não só como o campo privilegiado de trabalho, mas, também, me remetia aos tempos primordiais da relação mãe-criança. Datam desses tempos faltas no relacionamento: de afeto, do banho sensorial e emocional bem ajustado e afinado que ao criarem buracos no sujeito, (falta de ligações em seu psiquismo) vão se manifestar num contato absolutamente empobrecido, não só no verbal. Os casos clínicos usados nesta pesquisa dizem respeito a duas pacientes meninas: Bia de sete anos e Laura de três, época em que iniciaram seu processo de análise, e cujas sessões foram os disparadores da busca de sustentação teórica para esse tipo de clínica. As pesquisas tanto de cunho teórico quanto clínico me conduziram a escolher René Roussillon como o eixo central de sustentação teórico-clínico de meu trabalho, sobretudo com seu conceito de simbolização primária. Este tipo de simbolização é aquele que corresponde às necessidades precoces do desenvolvimento e compõe o percurso do processo de simbolização mais conhecido, a simbolização secundária. A simbolização primária seria um processo dos tempos primeiros do contato mãe-bebê que poderia ser sintetizado da seguinte maneira: O tempo primeiro, considerado no limite do pensável, diz respeito à apropriação inicial da experiência sensorial a qual se acompanha da contenção da excitação que se faz presente nesta experiência primária de caráter desorganizador. É o tempo da constituição da pulsão que já teve seu início desde o período fetal. Pode-se concebê-lo como a primeira metabolização sensório perceptiva motora, que deve ao mesmo tempo operar uma descondensação da experiência sensorial global para permitir sua posse para em seguida reorganizá-la em esquemas perceptivos motores que constituem as primeiras formas de representação. Parece que esta primeira fase se organiza sob o primado do tocar, do controle do movimento (através de informações kinestésicas e vestibulares). Logo vem o tempo da simbolização primária 5 propriamente dita, no qual os traços perceptivos motores são transformados em representações coisa. Esse processo reúne alucinação e percepção e pressupõe uma atividade de ligação e de síntese, tal como acontece durante a partilha estésica. É quando tem entrada de maneira predominante o registro visual. Finalmente chegamos então ao tempo da metabolização da linguagem em representações de palavras, tempo da simbolização secundária, tempo de dar sentido dentro de uma temporalidade linear, tempo este bem conhecido por todos nós. Portanto como meu direcionamento apontava para expressões corporais que veiculassem o psíquico, no sentido de alcançar compreensão, para material não verbal a teorização que Roussillon desenvolvia servia plenamente a meus propósitos. Através do que Roussillon chama de partilha estésica, movimento da dupla mãe-bebê para desenvolver a ideia do si mesmo, permito-me pensar que foi este tipo de falta de ajuste que tanto Bia como Laura se ressentiram pela ausência de suas mães. Acredito que através de partilhar estesicamente tanto com Bia como com Laura consegui algum tipo de simbolização primária para estas meninas. Vale ainda lembrar, que Roussillon apesar de seu conhecimento estar enraizado em solo freudiano, mantém como interlocutor Winnicott, que contribui para colocar os conhecimentos psicanalíticos num paradigma de atualidade

ASSUNTO(S)

simbolização primária roussillon apropriação subjetiva comunicação de co-corporeidade psicologia primary symbolization subjective appropriation co-corporeal-communication

Documentos Relacionados