A vida política dos documentos: notas sobre burocratas, políticas e papéis

AUTOR(ES)
FONTE

Rev. Sociol. Polit.

DATA DE PUBLICAÇÃO

15/08/2019

RESUMO

Resumo Introdução: O artigo trata de um tema ainda pouco abordado nos estudos sobre burocracia e políticas públicas, qual seja, os efeitos de documentos sobre a atuação de burocratas, sobre políticas públicas e sobre a política no Estado. Com isso pretendemos abrir um debate sobre a importância dos documentos entendidos como instrumentos de ação pública, bem como aprofundar a investigação sobre burocratas, em especial os de médio escalão e os que serão aqui denominados de back-office. Materiais e Métodos: A pesquisa decorre de uma etnografia das práticas documentais, empreendida durante os quase três anos em que os autores trabalharam em um projeto de reforma das práticas documentais de grande escopo na Prefeitura de São Paulo. Envolveu coleta de informação por meio de observação participante, entrevistas com atores governamentais e análise de legislação e de processos administrativos. Resultados: Observou-se que a incidência conjunta, sobre os burocratas back-office, (1) dos tempos da política – decorrentes das interações do incumbente e de seu governo com a sociedade e demais atores políticos institucionais – e (2) do tempo dos papéis – decorrente do conjunto de regras que estabelecem formas de registro das atividades da burocracia, os graus de obrigatoriedade deste registro e de controle disciplinar – é determinante para compreender o comportamento burocrático, orientado para mitigar riscos disciplinares. Em segundo lugar, observou-se que as práticas mobilizadas pelos burocratas refletem agenciamentos dos documentos a partir dos efeitos que estes podem produzir sobre a burocracia: a produção da “verdade”, a possibilidade de transposição de soluções a novos contextos e a (não) comprovação de negociações políticas. Discussão: Três implicações resultam desses achados: 1) a dinâmica de atuação dos burocratas explica parte da tendência inercial das burocracias frente às políticas públicas e ressalta a necessidade de amplas negociações e construção de novos marcos documentais para que projetos de inovação possam ocorrer nas burocracias. 2) A promoção de práticas documentais do Estado pode induzir à produção de maior opacidade, e não transparência, ao contrário do que esperam políticas de abertura de dados. 3) Essa abordagem aponta novos caminhos para as teorias sobre criação de capacidades burocráticas e de coordenação. Desse modo, se entendermos o Estado não só a partir da atuação individual de seus agentes e do entrelaçamento de redes pessoais, mas também a partir de como a materialidade dos instrumentos de ação do Estado pode influenciar tais relações, os desafios da direção política, assim como a tarefa de compreendê-lo, se complexificam.Abstract Introduction: The article addresses a theme still scarcely debated within studies on bureaucracy and public policy: documents as material artifacts and their effects on bureaucrats, public policies, and politics within the State. It aims to promote a debate on the importance of documents as instruments of public action, as well as to propose a new classification for a subtype of middle-level bureaucrats, labeled back-office bureaucrats. Materials and Methods: The research stems from an ethnography on documentation practices that was undertaken during three years in which both authors took park on a wide-scope administrative reform on documentation practices at São Paulo’s City Hall. As means of information gathering, it involved participant observation, multiple interviews and a selection of legislation and administrative case files. Results: From this research, we have found that the interaction between the time of politics - which relates to the interactions between incumbent, government officials, bureaucracies and civil society – and the time of paperwork – which is related to the set of rules that establishes modes of record-keeping for bureaucratic activities, degrees of mandatoriness for such activities, and disciplinary control – on back-office bureaucrats is decisive to understanding their behavior, which is aimed at mitigating professional risks. Secondly, we have observed that the set of practices promoted by these bureaucrats reflects a mobilization of a particular set of properties that documents carry within the broader context of bureaucracy: the production of truth, the transposition of old solutions into new contexts and the (lack of) evidence of a political deal. Discussion: As a result of these findings, we point to three implications. The first one, the dynamics of bureaucratic action can help explains the tendency for inertia within bureaucracies and public policies, highlighting the need for extensive negotiations and the set of new landmarks of documentation so that innovative projects can succeed within bureaucracies. The second one, the promotion of documentation practices may produce further opacity, as opposed to what open data policies might expect. Finally, this approach points to new issues for the debates of bureaucratic capacities and coordination. When the State is regarded not just from the individual action of its agents and the intertwining of personal networks, but also from the ways the materiality of instruments of action within them can influence said relations, the challenges of political leadership, as well as the task of understanding it, become more complex.

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