Um estudo da relação entre o vínculo parental e a transferência em psicoterapia psicanalítica

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DATA DE PUBLICAÇÃO

2008

RESUMO

Introdução: É consenso entre os psicanalistas e psicoterapeutas psicanalíticos que a transferência é um elemento central em qualquer forma de psicoterapia. O conceito de transferência, ao longo do tempo, vem se desenvolvendo e mudando. Atualmente ele se refere aos pensamentos, sentimentos, motivações e comportamentos que emergem na relação terapêutica e refletem a personalidade e o funcionamento interpessoal do paciente. A maneira com que o indivíduo se relacionou na infância com pessoas significativas cria modelos de relacionamento que são internalizados e ficam povoando seu mundo interno, servindo de modelo para as relações futuras com o mundo externo. Processos inconscientes do paciente transferem para os outros (incluindo psicoterapeutas) sentimentos e atitudes originalmente associados às figuras importantes do início da sua vida. O estudo da associação entre o modo com que a criança percebeu e vivenciou a relação com seus pais na infância e a maneira com que ela se relaciona atualmente com outras pessoas poderia esclarecer o impacto das relações precoces no desenvolvimento da personalidade e suas implicações no comportamento do sujeito. Objetivos: Este estudo tem como objetivo geral investigar a associação entre o vínculo parental percebido pelo paciente e a transferência realizada com o terapeuta em uma amostra de pacientes em psicoterapia psicanalítica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Brasil. Os objetivos específicos são avaliar a freqüência dos diferentes tipos de vínculo parental e realizar análise fatorial confirmatória do Parental Bonding Instrument para verificar se esta escala mede dois ou três fatores, já que há uma ampla discussão na literatura sobre diferentes fatores estruturais do PBI. Método: Foram incluídos neste estudo todos pacientes adultos (maiores de dezoito anos), em tratamento psicoterápico no Programa de Psicoterapia Psicanalítica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) durante o ano de 2005 e primeiro semestre de 2006. A avaliação diagnóstica foi realizada pelos terapeutas através de entrevista clínica por ocasião de ingresso no programa. As entrevistas clínicas foram supervisionadas por médicos psiquiatras, psicoterapeutas com experiência de 15 anos em psicoterapia psicanalítica. Para medir o fator em estudo, o vínculo parental, foi aplicado o Parental Bonding Instrument- PBI e para medir o desfecho, transferência, foi aplicado o Relationship Patterns Questionnaire – RPQ. As variáveis para controle de interesse deste estudo foram variáveis sociodemográficas e variaveis clínicas: tempo e frequência de tratamento psicoterápico, tratamento psicoterápico prévio, sintomas não psicóticos, mecanismos de defesa (medidos pelo DSQ-40), gênero da dupla terapêutica e diagnóstico clínico (DSM-IV). O tamanho da amostra foi calculado, para assegurar um poder estatístico de 80% (n= 63) para detectar correlações fracas a moderadas (r>0,3). A análise dos dados foi feita no programa estatístico SPSS14 e as correlações foram analisadas pelo teste de Pearson. As variáveis que apresentaram um valor de p ≤ 0.2 em relação ao desfecho foram controladas em um modelo de regressão linear. A análise fatorial confirmatória do PBI foi feita com uma amostra de 257 mulheres adultas realizada pelo programa Amos 5.0.1 software. Destas, 139 eram pacientes recrutadas de diferentes Ambulatórios do Serviço de Psiquiatria do HCPA e 118 controles, selecionados entre funcionários do HCPA e estudantes de medicina ou de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O método de máxima verossimilhança foi utilizado para comparar cinco diferentes estruturas fatoriais do PBI em termos de ajuste do modelo, seguindo modelo de estudo realizado por Sato et al (1999). Resultados: Em relação aos objetivos específicos verificou-se que o tipo de vínculo parental mais freqüente, segundo Parker, tanto para pai como para mãe foi o tipo 3, (vínculo com controle, sem afeto) e os resultados da análise fatorial do PBI sugeriram que o modelo estrutural de três fatores é preferível em relação ao de dois fatores. Já que, os valores do x2 para o modelo de dois fatores proposto por Parker foram significativamente maiores do que os dos quatro modelos de três fatores utilizados na comparação e o modelo Parker obteve também o menor valor de GFI (goodness-of-fit index) tanto para pai como para mãe (GFI= 0.740, GFI=0.771). Como resultado principal encontrou-se associação estatisticamente significativa somente entre o vínculo paterno e alguns padrões de transferência: amor, submissão e imposição. Quanto mais o paciente percebe seu pai como afetivo maior é o comportamento amoroso com o terapeuta (p=0,048; b=,252); também observouse correlação inversa estatisticamente significativa entre a escala de imposição e o afeto paterno, ou seja, quanto mais o paciente percebe seu pai como afetivo menor é sua percepção de comportamento impositivo do terapeuta com ele (p=0,049; b=- ,251) e quanto mais o paciente percebe seu pai como alguém que o encoraja a ter comportamento de liberdade menor é sua percepção de que o terapeuta reage de maneira submissa à ele (p=0,010; b=-,351). Conclusões: A análise fatorial do PBI, embora realizada em uma amostra apenas de pacientes mulheres, forneceu resultados semelhantes aos descritos na literatura, colaborando para melhor entendimento sobre a estrutura do instrumento em nosso meio. Foram realizadas pesquisas no Pubmed e no PsychInfo e não encontrou-se nenhum estudo quantitativo de associação entre o vínculo parental e a transferência. Os resultados encontrados reforçam a importância da qualidade do vínculo com o pai na infância na construção de padrões de relacionamentos, especialmente na relação terapêutica. A importância da identificação do terapeuta com a função paterna poderia auxiliar na compreensão da transferência-contratransferência e em um entendimento mais acurado do paciente.

ASSUNTO(S)

parental bond transferência (psicologia) transference psicoterapia terapia psicanalitica psychoanalytical psychotherapy parental bonding instrument (pbi) confirmatory factor analysis

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