Freud : racionalidade, sentido e referencia

AUTOR(ES)
FONTE

IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia

DATA DE PUBLICAÇÃO

1994

RESUMO

Freud: racionalidade, sentido e referência é, antes de mais nada, uma tentativa de mostrar, a partir de uma série de recortes no interior da teoria freudiana, que ela pode ser pensada como uma teoria sobre os atos irracionais do homem, possibilitados pelas características da sua linguagem. Ao mesmo tempo procuraremos demonstrar que dado que tal teoria exige tão-somente uma teoria do sentido - a racionalidade é no fundo um problema de coerência, de consistência -, Freud, ao pensar que as palavras se comportam como nomes próprios, procurou fundamentar seu trabalho em uma certa teoria da referência que funcionaria simultaneamente como universal. Em outros termos, ele não se deu conta de que a psicanálise, desde o início, tomou como universal a própria prática lingüística. Não haveria nenhuma necessidade de elucidar o sentido a partir de uma suposta referência que desempenharia este papel na teoria psicanalítica. Nossa tese pode ser vista como uma reconstrução de uma parte da teoria freudiana que assume certos pressupostos. Ela toma de forma axiomática as condições mínimas ditadas por Davidson que deveriam ser obedecidas por qualquer empreendimento teórico que pretendesse explicar atos irracionais e que ele acredita estarem presentes na psicanálise. Tal concepção teórica teria que lidar com dois princípios: o princípio de Platão, segundo o qual não há atos acráticos, e o de Medéia, que estipula que os atos acráticos podem ser não intencionais. Por conseguinte, estaremos procurando insinuar ao mesmo tempo como a obra freudiana efetivamente obedece aos preceitos.citados por Davidson e tenta dar conta dos dois princípios mencionados: o de Platão (não há atos irracionais) e o de Medeia (a ação de forças cegas torna os atos não intencionais; logo, não haveria mais sentido em se falar em atos irracionais). A outra parte do trabalho consiste em indicar como a obediência a tais preceitos prescinde completamente de uma teoria da referência, dado que a irracionalidade aparente é apreendida pela falta de sentido presente no ato acrático. Contudo, Freud, parece endossar a hipótese de que uma teoria do sentido precisaria de uma teoria da referência. Para construir a última, foi necessário procurar numa origem - que não parou de recuar - o referente fundamental que seria responsável pelos discursos sensatos do ser humano. Não podemos negar que as poucas e esparsas observações feitas por Wittgenstein a respeito da psicanálise influenciaram nossa leitura dos textos freudianos. Como ele, acreditamos que o interesse da teoria psicanalítica está em questionar nossas formas habituais de ver as coisas, na medida em que ela ressalta e enfatiza constantemente a polissemia presente na linguagem. Em Alice e a Metapsicologia apresentamos diversos argumentos a favor da tese de que Freud recorre a uma teoria da significação baseada em definições ostensivas. Em certo sentido, o presente trabalho pode ser entendido como um prolongamento daquele. Contudo, acreditamos que a questão da racionalidade pode e deve ser diferenciada da questão da significação. A escolha de Wittgenstein e de Davidson não é casual. Da mesma maneira que eles, também não cremos na cientificidade da psicanálise, não obstante todos os esforços freudianos de considerá-la uma ciência natural. Assim, não se trata de um trabalho de cunho epistemológico. Por outro lado, é evidente que algum leitor de inspiração fregeana poderia observar que todo nosso projeto de desacreditar uma teoria da referência em Freud é tão-somente uma conseqüência de nossa crença na sua falta de cientificidade, ou melhor, na impossibilidade de qualquer empreendimento semelhante obedecer aos ditames de uma teoria científica. Ele não estaria errado. Mas é preciso acrescentar que, ao exibir as incoerências geradas pela busca de uma referência aceitável no caso em estudo, também estaremos justificando a impossibilidade de se ter uma psicanálise científica. Fato que só pode ser estarrecedor para aqueles que acreditam que a ciência possa trazer algum esclarecimento para os problemas humanos relevantes; em especial, o da racionalidade. Em todo o caso, sustentamos que a leitura aqui proposta não é fruto de uma violência feita ao texto freudiano. Mesmo que ela aparente ser no fundo nada mais do que uma tentativa de oferecer a Freud uma boa teoria da linguagem, o leitor atento não deixará de notar todos os esforços que foram dispendidos no afã de indicar que ela estava dentro do campo de possibilidade de desenvolvimento da obra freudiana desde o seu início

ASSUNTO(S)

psicanálise

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