Doutrina e legislação: os bastidores da política dos militares no Brasil (1964-1985) / Doctrine and law: the wings of the militariespolicy in Brazil

AUTOR(ES)
DATA DE PUBLICAÇÃO

2009

RESUMO

Este trabalho tenta traçar o caminho da formulação da legislação vigente no Brasil entre os anos de 1964 e 1969, marcando as tensões circunscritas à elaboração da nova ordem estabelecida pelo regime militar. Entender sob que relações de força estas leis foram pensadas é fundamental para desvendar os bastidores da política que estabeleceu as regras desse novo ordenamento social, principalmente no que diz respeito à questão repressiva. Para isso foi preciso entender as correntes de pensamento preponderantes naquele momento histórico e as políticas que a mantinham: o anticomunismo, a política desenvolvimentista, a relação com os EUA desde o fim da Segunda Guerra, a formação dos membros das Forças Armadas, entre outras questões, tais como: quem exercia maior impacto no exercício cotidiano de proteção da lei e da ordem? A ideologia vigente ou a cultura paternalista? Quais interesses eram defendidos, os do Estado? Os corporativos? Os individuais? Todos ao mesmo tempo? O desenvolvimento de tal pesquisa abordará aspetos tanto macro, quanto micro-sociais. Por um lado analisamos quais os impactos da Doutrina de Segurança Nacional na legislação implementada durante a ditadura militar, principalmente pela imposição do Executivo. Por outro lado, pensamos momentos específicos da história que envolveram a atuação do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e da Polícia Militar, realçando casos que nos permitiram perceber a utilização que estes grupos faziam da legislação vigente (seja a institucional ou a constitucional) e do discurso instituído pela Doutrina de Segurança Nacional. O cruzamento das duas análises permitiu compreender qual a leitura realizada pelos membros dos órgãos em questão na aplicação da lei e identificar quais interesses tais aplicações buscavam atender. Como forma de mapear, grosso modo, a subjetividade implícita da aplicação da lei, cruzamos diversos tipos de fontes, a exemplo da bibliografia - amparados principalmente em termos conceituais, pelos trabalhos de Thompson, como, por exemplo, Costumes em Comum e Senhores e Caçadores -, como o jornal Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, ambos de circulação nacional e que noticiaram os grandes momentos políticos do país no período aqui estudado, e o Estado de Minas, que noticiou a investigação do caso conhecido com Chacina do Angueretá. Também as revistas O Cruzeiro e Veja, de circulação nacional e que no período em questão ainda assumiam uma postura de centro-esquerda (para evitar termos como imparcial). Os textos dos dezessete Atos Institucionais publicados entre 1964 e 1969, da Constituição de 1967 e a emenda de 1969, a Lei de Imprensa, Lei de Segurança Nacional, e alguns atos complementares e decretos que se mostraram relevantes. Também foi de extrema importância a leitura dos Anais do Senado, que permitiram um mergulho nos debates empreendidos neste ambiente, o que revelou a postura dos congressistas com relação às leis que estavam sendo elaboradas e instituídas. Alguns ofícios e correspondências trocadas entre autoridades, estas arquivadas no CPDOC, como as carta de Sobral Pinto aos ministros do STF Hermes Lima (17 e 22 de janeiro de 1969), Pery Bevilaqua (17 de janeiro de 1969), Evandro Lins e Silva (17 de janeiro de 1969) e Antônio Galloti (18 de janeiro de 1969). A leitura de inquéritos policiais, sobretudo o Processo Crime 0456, da Comarca de Curvelo, e de entrevistas realizadas junto a moradores da cidade de Sete Lagoas e região, que tinham conhecimento em relação às ações empreendidas pela PM, no caso da Chacina do Angueretá; e para o caso da Rota 66, trabalhamos principalmente com a obra Rota 66, de autoria de Caco Barcelos, a fim de fazer um paralelo entre os dois casos e ilustrar a ação da Polícia Militar, em MG e no Rio de Janeiro. Analisamos também a Doutrina de Segurança Nacional elaborada no país, sob influência da política externa estadunidense, no contexto de Guerra Fria. Neste sentido, buscamos compreender de que modo a lógica internacional se consubstanciou em legislação no país. Em princípio, é possível perceber que o conflito de interesses mais evidentes em termos de elaboração e aplicação das leis ocorreu entre os chamados castelistas e a linha dura. Tal definição tendo um aspecto mais didático ou prático do que necessariamente refletindo a dinâmica política-social do governo e da instituição Forças Armadas. Os castelistas, vistos pela historiografia como mais moderados, previram uma legislação que viesse, nos anos seguintes, evitar excessos tanto por parte do governo e das forças de segurança, como da oposição. Porém essa tentativa, se real, foi em vão ou pelos menos temporária, uma vez que, com a chamada linha dura no poder, tantas outras leis, de cunho ainda mais autoritário e impositivo, foram decretadas. A legislação, ao fortalecer o poder do Executivo subjugando o Legislativo e o Judiciário, deu abertura para a consolidação de um regime autoritário que, de certa forma, manteve algumas instituições democráticas como fachada, a fim de se legitimar perante a sociedade. A macro-abordagem permitirá esmiuçar os jogos políticos e de poder no período delimitado, sem perder a noção do social, e a micro-análise permitirá perceber até que ponto a sociedade civil foi agente ou vítima do processo de construção dessa mesma ordem. Para tanto, tomaremos como base de apoio estudos sobre história social, buscando em E. P. Thompson fatores que, conjugados, possam nortear a pesquisa proposta, permitindo-nos estabelecer uma compreensão sobre as relações existentes entre a legislação, a ideologia e a cultura brasileira, expressos nos comportamentos do Congresso Nacional, do Poder Executivo, do Supremo Tribunal Federal [STF] e, principalmente, da Polícia Militar [PM].

ASSUNTO(S)

doutrina ditadura militar legislation doctrine military dictatorship legislação brazil republic brasil república

Documentos Relacionados