Aspectos genéticos de parasitos e hospedeiros envolvidos na patogênese da doença de chagas

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DATA DE PUBLICAÇÃO

2006

RESUMO

A doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, atinge cerca de 18 milhões de pessoas nas três Américas. O parasito apresenta estrutura populacional complexa, com extensa variabilidade intraespecífica. Todavia, a análise conjunta de um grande número de marcadores suporta a divisão do táxon em pelo menos duas linhagens: T. cruzi I, ligada ao ciclo silvestre e T. cruzi II, ligada ao ciclo doméstico de transmissão. Em seres humanos, a doença de Chagas apresenta-se com manifestações clínicas muito variáveis na sua fase crônica, com parasitemia escassa e um curso clínico imprevisível, podendo variar de uma ausência total dos sintomas até s severas manifestações cardiovasculares e/ou gastrintestinais. Apesar de estar cada vez mais claro que a doença de Chagas provavelmente é resultante da interação complexa entre parasitos e hospedeiros, os motivos pelos quais diferentes indivíduos apresentam formas clínicas distintas permanecem desconhecidos. Para que estas questões sejam elucidadas, existe a necessidade de um melhor entendimento da contribuição de fatores genéticos de parasitos e hospedeiros e da maneira de como eles se interagem para resultar na patologia da doença. Neste aspecto, no presente trabalho, procuramos desenvolver metodologias de análise moleculares complementares que possibilitassem a adequada caracterização molecular de parasitos e hospedeiros bem como de suas interações. Inicialmente, com o objetivo de contribuir no entendimento da estrutura populacional do parasito, analisamos cinco locos de microssatélites, a região D7 da subunidade 24S do rDNA e polimorfismos de seqüências dos genes mitocondriais citocromo oxidase subunidade II, citocromo B e NADH desidrogenase em 75 cepas do parasito. Baseando-se nos dados de microssatélites as cepas puderam ser divididas em quatro grupos correspondendo à linhagem T. cruzi I (MDScluster A), T. cruzi II (MDS-cluster C), T. cruzi (MDS-cluster B) e cepas híbridas (MDS-cluster BH). Os dois primeiros grupos correspondem aos tipos mitocondriais A e C respectivamente, enquanto que os outros dois pertencem ao tipo mitocondrial B. Os dados obtidos através da tipagem por microssatélites e rDNA 24S foram analisados conjuntamente por reconstituição haplotípica através do programa PHASE, resultando em 141 haplótipos, claramente distribuídos em três haplogrupos (X,Y e Z). Todas as cepas pertencentes à linhagem T. cruzi I (MDS-cluster A) apresentam os dois haplótipos originados do haplogrupo Z (Z/Z), as cepas da linhagem T. cruzi II (MDS-cluster C) são Y/Y, e aquelas pertencentes ao MDS-cluster B (T. cruzi) apresentam haplótipos X/X. As cepas agrupadas no MDS-cluster BH apresentam haplótipos X/Y, confirmando a sua natureza híbrida. Baseando-se nestes resultados, propusemos a existência de três linhagens ancestrais do Trypanosoma cruzi, as quais foram denominadas T. cruzi I, T. cruzi II 5 e T. cruzi III. No mínimo dois eventos de hibridação envolvendo T. cruzi II e T. cruzi III resultaram em progênies viávéis. Nos dois eventos a linhagem doadora de mitocôndria (conforme indicado pelo tipo mitocondrial das cepas híbridas) foi a linhagem T. cruzi III e a linhagem receptora foi a linhagem T. cruzi II. Segundo, através de uma nova abordagem resultante da combinação da amplificação por heminested PCR e a análise em aparelho de PCR em tempo real, obtivemos sensibilidade e poder de resolução suficientes para a tipagem do rDNA 24S de T. cruzi diretamente em amostras de tecidos cronicamente infectados. Em vinte e sete amostras coração, esôfago e cólon, provenientes de 25 pacientes originados dos estados de Minas Gerais e Goiás, demonstramos a presença de apenas do rDNA tipo 1, bem correlacionado com linhagem T. cruzi II. Estes dados confirmam evidências anteriores de que esta linhagem seria a responsável pela doença ao menos nestas regiões endêmicas. Adicionalmente, caracterizamos geneticamente os parasitos presentes na corrente sanguínea e em uma biopsia cerebral de um paciente Chagásico e portador da síndrome de imunodeficiência adquirida. Análises dos genes de rDNA 24S e de mini-éxon, juntamente com perfis de microssatélites e de LSSP / PCR, indicam que havia uma maior diversidade clonal do parasito no cérebro em comparação com o sangue e que as populações eram geneticamente distintas, pois no sangue estava presente a linhagem T. cruzi II enquanto que no cérebro estava uma população híbrida. Finalmente, com o objetivo de melhor estudar o fenômeno da distribuição diferenciada de T. cruzi nos diversos tecidos hospedeiros, utilizamos o modelo murino da doença, para o qual já havia evidências de que o tropismo tecidual poderia estar correlacionado com o haplótipo de MHC (Também denominada H-2) dos camundongos. Para tanto, em abordagens in vivo e ex vivo, infectamos animais congênicos para a região H-2 [C57BLK/sJ (H-2d), C57BL/6 (H-2b), BALB/c (H-2d) e BALB/B10 (H-2b)] com uma mistura artificial de duas cepas de T. cruzi [JG (T. cruzi II) e Col1.7G2 (T. cruzi I)]. Em todos os experimentos, a prevalência de uma cepa em relação à outra no tecido cardíaco foi associada ao haplótipo de H-2, onde a colonização pela cepa Col1.7G2 foi favorecida nos camundongos de haplótipo H-2b, independentemente do background genético dos animais. O conjunto dos resultados apresentados nesta tese de doutorado estabiliza a noção de que, tanto a variação genética do T. cruzi como dos seus hospedeiros, influenciam no curso da doença de Chagas.

ASSUNTO(S)

bioquímica teses

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