A síndrome da exclusão social: As origens, os fatores de risco, os múltiplos sintomas biopsicosociais ao longo dos períodos do ciclo de vida e os fatores perpetuadores

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DATA DE PUBLICAÇÃO

2009

RESUMO

Introdução: este projeto originou-se quando ainda estudante de medicina, comecei a observar que as crianças carentes adoeciam de forma difusa, ou seja, vários sistemas do organismo eram afetados simultaneamente, inclusive a saúde mental. Essas observações continuaram na residência e na prática de pediatria e, mais tarde, em um ambulatório de psiquiatria infantil, onde constatei que, além do adoecimento difuso, as crianças encaminhadas o eram, principalmente, devido às dificuldades escolares (D.E). Decidi na ocasião que este tema deveria ser abordado em atenção primária, portanto, na comunidade e não em atenção secundária como é o caso dos ambulatórios de psiquiatria infantil. Desde então venho trabalhando em atenção primária onde realizei uma primeira pesquisa, em nível de mestrado, em uma comunidade socioeconomicamente desfavorecida que teve como finalidade descrever o perfil biopsicossocial de crianças que estavam na 1ª série, isto porque na época, ano de 1990, grande número delas era reprovada e evadia-se da escola nessa série. Naquela pesquisa empreguei o método Estudo de Caso e foram examinadas 39 crianças de 1ª serie de uma escola pública, escolhidas aleatoriamente entre as 465 que cursavam essa série. Os achados mostraram que: antes da entrada para a escola a maioria das crianças da amostra foi exposta a múltiplos fatores de risco; à entrada para a 1ª série a maioria apresentava-se multiplamente impactada, ou seja, com impactos na saúde física, psíquica e social e suas famílias apresentavam muitos problemas; três anos após, 1993, a amostra estava tendo prejuízos na inserção escolar. Este estudo, portanto, contribuiu para a compreensão das causas da repetência e evasão escolar na perspectiva da medicina de crianças. Justificativa: após a realização da pesquisa acima, a qual fundamentou projetos de intervenção, continuei trabalhando na comunidade. Mas, à medida que fui me inteirando cada vez mais da realidade local, constatei, porém, que os problemas escolares, em geral, nada mais eram do que um dos sintomas do fenômeno da Exclusão Social, um processo histórico que, na verdade, as pessoas da comunidade estavam envolvidas por ele. Essas observações se estenderam até os primeiros anos da década atual quando, então, decidi revisitar o trabalho de mestrado e também verificar como estavam os participantes da pesquisa de 1990, hoje adultos. Objetivos: os objetivos dessa nova pesquisa foram estudar os impactos biopsicossociais do processo da Exclusão Social sobre um grupo de pessoas em diferentes momentos dos seus ciclos de vida. Métodos: o método empregado, Estudo de Caso, constituiu-se de duas partes. Na parte I foi realizada a releitura da dissertação do mestrado cujos achados foram reinterpretados a partir da pediatria, psiquiatria e de teorias do desenvolvimento da criança, tendo como pano de fundo a Exclusão Social. Na parte II, realizada em 2008, foram entrevistados 26 dos 39 participantes da pesquisa de 1990. Nessa segunda parte o método empregado foi uma entrevista inicialmente aberta seguida por uma semi-estruturada para pesquisar a História de Vida. Apenas alguns tópicos da história de cada um foram pesquisados: a trajetória escolar, a trajetória no trabalho e as queixas sobre a saúde ao longo dos 18 anos que separaram as duas pesquisas. Resultados e discussão: a análise e interpretação da releitura da dissertação de mestrado mostraram como o processo da Exclusão Social pode ter produzido os múltiplos impactos encontrados na pesquisa de 1990. A pesquisa atual mostrou que este processo excludente continuava atuando de várias formas adversas sobre a amostra, uma vez que foram identificados impactos negativos na trajetória escolar, na trajetória do trabalho e diversas reações psíquicas às situações estressantes, experimentadas ao longo da vida dos participantes, resultando em prejuízos enormes na inclusão social dos indivíduos da amostra. Além disso, provavelmente, essa história de fracassos causou prejuízos também nas estruturas psíquicas das pessoas. Entretanto, ao longo das entrevistas outros fatos relevantes se destacaram conforme relato espontâneo dos participantes, como por exemplo, um número importante de pessoas da comunidade envolvidas com o abuso de drogas e/ou tráfico foram assassinadas ou detidas em penitenciária. O entendimento sobre essas constatações, é que, além das influências da adolescência, período do ciclo de vida crítico para o desenvolvimento, por exemplo, da auto-estima, a droga, ao chegar à comunidade, encontrou um cenário propício para se multiplicar. Primeiramente porque se constituiu em uma possibilidade real de aumento da renda das pessoas as quais enfrentavam dificuldades de inclusão social o que poderia ser resolvido com o tráfico; em segundo lugar, como as pessoas tiveram impactos na estruturas psíquicas, provocadores de frustrações, ansiedade, depressão, angústia, raiva, a droga, poderia ser uma forma de aliviar esses sintomas e/ou encorajar os sujeitos. Mas, se de um lado o tráfico levava à disputa por espaços para aumentar a venda, por outro a dependência da droga levava o indivíduo a roubar, assaltar, vender bens de familiares para a compra da mesma. Ambos os caminhos geraram a violência no interior da própria comunidade que acabou em mortes e prisões de forma expressiva. A chegada das drogas em uma comunidade vitimizada pelo processo de Exclusão Social precipitou o próprio auto-extermínio de um segmento importante da própria comunidade formado por jovens. Em outras palavras, a Exclusão Social preparou o cenário de adversidades para que a entrada das drogas se encarregasse de acelerar o processo excludente ao colocar um fim na vida de grande número de jovens da comunidade. Conclusões: com este estudo foi possível identificar as possíveis origens da Exclusão Social e a associação dela com inúmeros fatores de risco que por sua vez podem ter produzido os múltiplos impactos biopsicossociais sobre a amostra estudada nos diferentes períodos do ciclo de vida. A constatação da existência de um processo evolutivo, articulado, justificou a denominação Síndrome da Exclusão Social para o quadro descrito e, este título, preenche uma lacuna existente na literatura quanto à definição desse quadro clínico tão freqüente, mas que ainda é tratado com muita indiferença. Essa definição dá maior consistência e visibilidade ao fenômeno ao mostrar como determinantes sociais podem produzir impactos devastadores na saúde e intergeracionais. Ao mesmo tempo a denominação ainda é capaz de convergir para si a atenção de várias áreas do conhecimento para sua compreensão e uma melhor abordagem. Considerações finais: esse estudo aponta caminhos para a intervenção, prevenção e promoção de saúde. Ao descrever a evolução dos efeitos da Exclusão Social sobre os sujeitos nos diferentes momentos do ciclo de vida, o fenômeno tornou-se mais compreensível e, portanto, factível de sofrer transformações.

ASSUNTO(S)

isolamento social decs carência psicossocial decs dissertações acadêmicas decs fatores de risco decs condições sociais decs problemas sociais decs saúde mental decs saúde escolar decs fatores socioeconômicos decs

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