Do tempo dos sonhos à galeria : arte aborígine australiana como espaço de diálogos e tensões interculturais / From the dreaming to the gallery : Australian aboriginal art as a locus for intercultural dialogue and tension

AUTOR(ES)
FONTE

IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia

DATA DE PUBLICAÇÃO

06/03/2012

RESUMO

A arte contemporânea dos povos indígenas da Austrália é um fenômeno sui generis e ainda pouco conhecido no Brasil. Ancora-se em práticas e valores tradicionais, e, ao mesmo tempo, está inserida nas instituições museológicas e no mercado de arte. Na Austrália, sua valorização e institucionalização vêm ocorrendo, gradualmente, desde os anos 1970, graças a uma rede de apoio intersetorial e interétnica, abrangendo de órgãos públicos a cooperativas de artistas, de prêmios a leilões. O reconhecimento internacional se faz igualmente notar em iniciativas como a encomenda feita a oito aborígines australianos, em 2006, para que realizassem intervenções permanentes no edifício do Musée du Quai Branly, em Paris. Do ponto de vista formal, trata-se de uma produção muito diversificada, que pode ser dividida em movimentos ou estilos regionais, como a pintura "abstrata" de tinta acrílica sobre tela do Deserto Central, a pintura figurativa de pigmentos naturais sobre entrecasca de árvore de Arnhem Land e as aquarelas de paisagem de Hermansburg. O conteúdo remete quase sempre a feitos dos ancestrais e a fragmentos do Dreaming - uma espécie de tempo mítico comum a todas as etnias -, apesar de alguns pintores optarem por retratar cenas históricas trágicas, relativas ao encontro com os brancos. Destinada prioritariamente ao público externo, a pintura aborígine australiana é distribuída por uma rede composta por dezenas de centros de artes comunitários, dirigidos pelos próprios artistas, com o auxílio de agentes mediadores. Assim, as principais questões que nortearam a pesquisa foram: Como ocorreu a transformação de práticas tradicionais indígenas em arte contemporânea, na Austrália? Quais os papéis e os interesses das organizações indígenas e do governo, respectivamente, na montagem da chamada Indigenous art industry? Como operam as noções de autoria, autenticidade e propriedade intelectual, nesse contexto? Por que o mesmo país que massacrou seus nativos, até tão pouco tempo atrás, agora fomenta a produção artística indígena e incorpora elementos aborígines na construção da identidade nacional? Para buscar responder a tais questões, inspirei-me - principal, mas não exclusivamente - em autores e debates da antropologia da arte: Howard Morphy e seu questionamento das definições eurocêntricas de arte e artista; Alfred Gell e sua abordagem das agências envolvidas no processo artístico; Sally Price e sua discussão da postura primitivista no circuito euroamericano de museus e galerias; Sherry Errington e sua problematização da ideia de autenticidade, entre outros. Baseei-me também em pesquisa de campo, realizada junto a cerca de 30 organizações australianas, entre galerias comerciais, museus públicos, cooperativas indígenas e agências estatais, e ainda em alguns museus e galerias europeus. O objetivo era investigar os mecanismos, as relações e tensões inerentes a um sistema que, se por um lado oferece uma rara oportunidade de geração de renda e visibilidade para as comunidades indígenas australianas, por outro lado suscita impasses éticos e jurídicos de difícil resolução. Ao cabo do percurso, fica claro que a arte indígena da Austrália serve, hoje, como um raro locus de comunicação entre os povos nativos e a sociedade envolvente, uma plataforma sobre a qual se constrói - nem sempre harmonicamente - um produto intercultural de grande apelo estético, cujas exposição e comercialização acarretam impactos simbólicos, econômicos e políticos.

ASSUNTO(S)

arte indigena - austrália arte e antropologia comunicação intercultural indian art art and anthropology intercultural communication

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